Eu quero me permitir sentir
quarta-feira, outubro 03, 2018
Esses dias eu estava conversando com meu amigo sobre como tentamos esconder nossos sentimentos, e ele me contou um pouco sobre sua infância, dizendo que naquela época era muito mais possível dividir suas dores e chorar ao lado de alguém. O sofrimento é mais fácil quando dividido, e isso é certeiro - dividir os sentimentos que nos agonizam com alguém que nos escuta definitivamente nos causa uma certa sensação de compreensão.
Com o tempo, entretanto, nós paramos de nos mostrar tão vulneráveis. Aprendemos que o mundo pode ser cruel, e coisas funcionam diferentemente de como achávamos que funcionava. Desta forma nós aprendemos, sozinhos (e inconscientemente), a guardar a inocência para o fundo de nossa mente. Nós construímos uma muralha para que possamos nos manter de pé, e tentamos a todo custo nos erguer ali, mesmo que esteja difícil. Mesmo que o cansaço queira nos vencer.
Em algum ponto, nós percebemos que nos fechamos. Eu percebi, e não consigo entender como isso aconteceu. Olhando para as pessoas em minha volta, percebo que parte delas também estão tão reservadas quanto eu.
Alguns podem pensar que está tudo bem nos manter retraídos sobre o que passa em nossas cabeças e corações. Vendo por esse posto de vista, eu concordo em partes. Afinal, é uma forma de preservar a própria privacidade e também previnir-se das maldosas garras do mundo, que pode ser tão impiedoso ao ver que você está sensível. E a verdade é que você é de fato sensível; você é um ser repleto de emoções.
Mas as coisas parecem ficar ainda mais complicadas quando a barreira não está ali apenas para que as pessoas não conheçam sua dor. Você aprende a gostar tanto desse bloqueio que fica apegado a ele. Por que não amá-lo? Você está tão viciado, ele te ajuda a parecer uma pessoa melhor, forte e corajosa. Chegamos ao ponto em que entendemos que podemos nos mascarar tanto quanto enganamos a sociedade. Quando percebemos, estamos nos fechando para nós mesmos.
Você se força a não querer sofrer. Você tenta desesperadamente sentir qualquer outra coisa, exceto tristeza, agústia, mágoa...
Eu evito. Quando eu percebo a fonte daquilo que me corrói, eu me retiro e me silencio sobre aquilo que me incomoda. Eu impeço que o sentimento venha até a mim, e vou me arrastando pelos dias tentando focar em qualquer assunto, menos aquele. Me forço a pensar em dias melhores, em situações diferentes. Eu tento me convencer de que aquela tristeza não me afeta. De que meus planos quebrados, palavras perdidas, assuntos atrasados e promessas em vão não estão me afetando.
Exatamente por evitar o sentimento, recentemente muita coisa veio a tona. Quando arrisquei a me aproximar minimamente daquilo que me angustiou, tudo veio rápido demais – lembranças, dias bons e ruins, e diversas palavras. Era tanta coisa que evitei por meses, tantos sentimentos reprimidos... Naquela hora, eu chorei por ser sentimentos demais, me derrubando como uma onda.
E desde sequei meu rosto naquele dia, deixei tudo escondido em algum lugar da minha cabeça novamente. Continuo fingindo para mim mesma que eu não tenho sentimentos que me incomodam. Eu tenho medo da ingenuidade, de chorar por mágoas, de sentir aquilo que me incomoda.
Eu quero me permitir sentir.
Quero parar de evitar meus sentimentos. Eu quero sentir, chorar, e eventualmente superar minhas questões. Porque evita-las só faz com que eu fique cada vez à margem de nunca supera-las. Eu não quero mais fugir de quem eu sou e do que eu sinto: eu não aguento mais escapar. Há em mim um monte de sentimentos que escondo.
Decididamente, eu resolvi tentar: Não irei mais deixar que os dias passem batidos, sem realmente sentir alguma coisa por insistir em evitar. Eu quero me entregar, viver, chorar, rir, entender que está tudo bem. Está tudo bem não se sentir bem por um dia ou dois. Talvez um ano. Desde que um dia a primavera chegue, nós podemos passar pelo inverno.
Há muita coisa bonita dentro de mim. Aqui, tudo floresce. Meus sentimentos são lindos.
Os seus também. Divida eles com você.
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